O Dia da Cultura Nacional, que constitui uma data de elevado simbolismo histórico, dimensão política e impacto filosófico, pode ser motivo para um debate aberto e abrangente, sobre o estado actual da cultura nacional e sua integração no processo de reconstrução de Angola.
A data foi instituída em Novembro de 1986, sete anos depois do discurso pronunciado pelo primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, na União dos Escritores Angolanos (UEA), a 8 de Janeiro de 1979, por ocasião da tomada de posse dos corpos gerentes.
A verdade é que, por mais estranho que possa parecer, continuam actuais as ideias expressas no referido discurso, “A cultura não se pode inscrever no chauvinismo, nem pretender evitar o dinamismo da vida. A Cultura evolui com as condições materiais e em cada etapa corresponde a uma forma de expressão e de concretização de actos materiais”, afirmava, profético, Agostinho Neto.
É curioso notar que o pensamento do Dr. António Agostinho Neto, embora eivado do primado da ideologia marxista, na sua sustentação filosófica, já possuía uma visão transnacional da cultura angolana, visando a sua internacionalização, evitando os “chauvinismos” e inscrevendo os preceitos do entendimento da cultura angolana no “dinamismo da vida”. Uma leitura atenta do discurso do Primeiro Presidente de Angola, leva-nos a inferir que os riscos de divisão da sociedade pelas assimetrias no acesso à cultura e a sua vulnerabilidade às crescentes pressões de consumo dos produtos culturais vindos de fora, exigem que a promoção da cultura endógena seja fundamental para que os angolanos se desenvolvam livre, integral e solidariamente e afirmem os seus valores identitários no mundo, tal como previu Agostinho Neto.
Estamos numa época em que a cultura deve estar integrada no processo de desenvolvimento económico e a sua gestão entendida segundo os preceitos da modernidade e dos avanços das modernas tecnologias da esfera comunicacional. Para que tal desiderato se efective, é imperioso apostar na formação e capacitação técnica dos criadores e promotores culturais, promover o ensino das artes, empreender o restauro do património edificado, estimular a investigação e recuperar o espólio da cultura imaterial, respeitando, desta forma, as linhas de força do discurso pronunciado por Agostinho Neto.
Plano
O Plano Estratégico de implementação da política cultural de Angola “define as prioridades do Executivo para o sector e fornece um quadro para a tomada de decisões em relação à necessidade de alocação dos recursos internos e da assistência externa”. A meta é consagrar a cultura como um direito de cidadania, incorporando as novas tecnologias para a produção e difusão cultural, a conservação do Património e sua sustentabilidade, visando o estabelecimento de uma gestão pública moderna eficiente e eficaz. Caberá então ao Estado estabelecer, na prática, todas as condições necessárias para que a cultura angolana no seu conjunto seja de facto preservada e difundida, através da construção e manutenção de infra-estruturas, formação de quadros, garantindo a identidade e permanência cultural de Angola, num mundo globalizado.
Livro
Apesar dos inegáveis avanços das novas tecnologias da esfera comunicacional e ao contrário dos profetas que advogam o fim do livro, onde a escrita alfabética seria substituída por uma cultura de sinais, o livro ainda é a melhor ferramenta de trabalho, de acesso à cultura e o companheiro ideal para todos os momentos. As igrejas, o Estado, a sociedade e as associações culturais, devem estar atentas ao crescente movimento editorial angolano, que, no passado, teve momentos gloriosos de edição, sobretudo depois da independência, e, no presente, vem dando sinais de qualidade concorrencial e consequente afirmação internacional.
Bibliotecas
A construção de bibliotecas públicas, para a fruição da leitura pelos munícipes e a criação de espaços de lazer cultural, podem inverter a tendência crescente dos números da delinquência juvenil, um mal com que nos deparamos, frontalmente, no nosso quotidiano. Sabe-se que o livro não dispersa, pelo contrário fixa e condensa a generalidade dos conhecimentos que estão na base de todo o progresso individual e colectivo. A realização de feiras do livro pode constituir um momento, entre vários outros, que complementa o ciclo do sistema literário, dinamizando um processo que inclui a promoção e defesa dos direitos do autor, editor, importador e do livreiro.
Descentralização
Embora as cidades, incluindo a capital, sejam os espaços de maior concentração das populações, congregando em si parte substancial das práticas de intervenção cultural e económica, é imperioso deslocar, contextualizar e rentabilizar a acção cultural em outros pontos do país. De facto, um dos preceitos da política cultural está consubstanciado na descentralização das acções do Executivo angolano e reorienta uma agenda cultural nos Municípios, ou seja, fora dos grandes centros urbanos. Sabemos que a maioria esmagadora das províncias, ostenta um enorme potencial patrimonial, cuja conservação e restauro deve merecer a atenção do Estado angolano.
Financiamento
Segundo os princípios defendidos pelas políticas culturais, “O financiamento da cultura é condição determinante para a realização dos objectivos definidos para o desenvolvimento sustentável, uma vez que os retornos dos investimentos na cultura são mais qualitativos do que quantitativos e a intervenção da cultura na consolidação da nação não tem preço. O Executivo tem um papel decisivo e insubstituível no financiamento da implementação da Política Cultural, devendo contar com o concurso dos distintos sectores da economia e da sociedade, nomeadamente das agremiações sócio-profissionais, das fundações, das associações e organizações não-governamentais”. Daí que se torna urgente regulamentar os princípios básicos que definem o Mecenato Cultural, sobretudo da investigação, no domínio da cultura.
Fonte: Jornal de Angola